A VIDA
Era uma vez um belo cabelo levado pelo vento. Loiro. Vinha uma corrente de ar e soprava-o para um lado. Vinha outra corrente de ar e soprava-o para o outro. E o cabelo rodopiava, solto à luz do Sol, que com qualquer coisa se maravilha. Até um singelo grão de pó, tocado pelo Sol, fica como se fosse de prata? Cabelo de anjo seria? Cabelo de fada? Cabelo de menina que pela primeira vez se penteia? - Esta história tem um cabelo - disse alguém, fazendo uma careta, como se dissesse ?Esta sopa tem um cabelo" e a pusesse de lado. Pois tem. E depois? Um cabelo não merece história? Então, continuemos. O cabelo encontrou-se no ar com uma pena, uma pequeníssima pena, tão leve como ele. De pavão? De pintassilgo? De canário? Tanto faz. Há muito tempo que sabia voar sozinha. Cabelo e pena são agora dois. Junta-se-lhes um fiapo de algodão, tão sem destino como eles. Já são três. E a história complica-se. Para complicá-la mais, veio ter com eles um fio de seda, sabe-se lá donde? Talvez de uma bordadeira que sacudiu a saia. Ou de uma fita a enfeitar cartas, que o tempo esqueceu? São coisas sem nada, sem peso, sem destino, mas com muita história por contar. Uma semente, depois, agarra-se à pena, ao cabelo, ao fiapo, ao fio de seda, e todos juntos dançam a moda que o vento quer. Ah, mas a semente é pesada e a dança termina cedo. Cai, arrastando consigo na queda as asas a que se juntara. Logo a seguir veio a chuva. A semente afunda-se, um niquinho só, mais o rolo de coisas sem futuro, que caíram com ela. E pronto. Para a próxima Primavera, daquela semente vai nascer uma erva, com uma flor ao cimo. Uma flor branca, como o fiapo de algodão, de pétalas frágeis como penas. Há-de vir o vento arrebatá-la da haste e levá-la com ele, como um fio de seda, um cabelo, eu sei lá que mais? É a vida.
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